Existe relação entre Olimpíadas e desenvolvimento econômico

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 09/08/2021

 

Os 21 pódios conquistados pela delegação brasileira nas Olímpiadas de Tóquio estão sendo celebrados como um grande feito do país. Além do recorde de conquistas numa única edição, as sete medalhas de ouro, seis de prata e oito de bronze colocaram o país na 12ª colocação geral – nosso melhor resultado na história, um posto à frente do alcançado no Rio em 2016. O resultado, porém, não surpreende. E isso não tem nada a ver com mérito desportivo.

Em agosto de 2000, às vésperas dos Jogos Olímpicos de Sidney, os professores Andrew Bernard e Meghan Busse, então vinculados ao Dartmouth College e à UC Berkeley, distribuíram entre colegas um trabalho acadêmico prevendo o desempenho de cada país na competição. Longe de serem especialistas e fanáticos em esporte que acompanham os campeonatos mundiais e conhecem os melhores em cada modalidade, a dupla de economistas construiu seus prognósticos com base em indicadores socioeconômicos.

Embora a ideia original do Barão de Coubertin ao lançar as Olimpíadas modernas fosse premiar os melhores atletas, independentemente de sua nacionalidade, o maior festival esportivo do planeta sempre foi encarado como uma competição entre países. Assim, desde a década de 1950 pesquisas vêm sendo realizadas para explicar por que algumas nações se saem melhor do que outras. E o estudo econométrico realizado por Bernard e Busse é destacado até hoje pelo seu grande potencial preditivo.

A primeira variável que os pesquisadores levaram em conta foi o tamanho da população. Supondo que talentos estão distribuídos de modo uniforme na raça humana, é de se esperar que Estados mais populosos tenham mais atletas fora de série, simplesmente pelo fato de possuírem mais gente em seus territórios. Mas sabemos que não é bem assim: Índia, Indonésia e Paquistão, que juntos possuem quase 2 bilhões de habitantes, conquistaram apenas 12 medalhas em Tóquio – 7 indianas, 5 indonésias e nenhuma paquistanesa.

Para se gerar um campeão não basta talento; é preciso treino. E para além do “sangue, suor e lágrimas” derramados por Rebeca, Alison, Bia e Isaquias, necessita-se de ginásios, quadras e piscinas, assim como treinadores especializados, fisioterapeutas e nutricionistas. Soma-se a isso toda uma logística de deslocamentos e hospedagem para a aquisição de experiência em torneios nacionais e internacionais.

Colocando na ponta do lápis todos esses investimentos, um medalhista olímpico se faz também com muito dinheiro. Assim, da mesma forma que os modelos clássicos da teoria econômica estimam a produção como função das quantidades de trabalho e capital, Bernard e Busse construíram seu modelo de desempenho olímpico como derivado da população e do PIB per capita como aproximações para a soma de competência esportiva e disponibilidade de recursos. Mas ainda não é tudo.

Para os autores, o conteúdo político também é importante para determinar as posições no ranking no torneio global. Desde os tempos da Grécia Antiga, as Olimpíadas são uma demonstração de força, e não apenas atlética. A maioria dos países busca fabricar campeões como uma forma de se promover internacionalmente ou para demonstrar sua força geopolítica.

Hitler quis fazer da edição de Berlim em 1936 uma exibição do poderio germânico, assim como americanos e soviéticos transpuseram para as pistas e piscinas seu conflito ideológico na Guerra Fria – a ponto de boicotarem-se mutuamente em Moscou (1980) e Los Angeles (1984). E assim como a China se preparou para impressionar o mundo em 2008, até o Brasil tentou fazer, na Rio 2016, uma celebração dos tempos em que o Cristo Redentor decolava na capa da Economist.

O modelo de Andrew Bernard e Meghan Busse, portanto, foi adicionado com variáveis que captavam essa dimensão política, constatando que ter sido sede dos Jogos ou ter um passado socialista aumenta as chances de receber medalhas. Para completar, como o retorno do investimento no esporte vai além do ciclo olímpico de quatro anos, os pesquisadores incluíram um componente de defasagem na sua regressão.

O resultado final foi bastante satisfatório. Nas Olimpíadas de Sidney, os autores conseguiram prever, com um coeficiente de determinação de 96%, a performance de 35 países que haviam conseguido pelo menos 5 medalhas totais na edição anterior, em Atlanta.

Desde então, o modelo de Bernard e Busse vem sendo aprimorado com ajustes importantes. Johnson e Ali (2004) chamaram a atenção para o fato de que países muçulmanos, por não valorizarem as mulheres, ganham menos medalhas por terem um desempenho pífio nas provas femininas. Scelles e outros (2020) destacam que alguns países se especializaram em determinadas categorias – como a Jamaica com os velocistas e o Quênia com fundistas – e isso lhes confere um resultado superior ao que seus pesos populacional e econômico fariam supor.

Donald Trump e entrega uma camisa personalizada a Jair Bolsonaro. Foto: Isac Nóbrega/PR

 

Levando em conta todos esses fatores, o jornal britânico Financial Times estimou que as equipes brasileiras voltariam para casa com 20 medalhas neste ano. Conseguimos uma a mais – o que está dentro da margem de erro.

Esses experimentos econométricos para prever medalhas ilustram bem os caminhos que podemos adotar para irmos cada vez mais rápido, mais alto e mais forte (“Citius, Altius, Fortius”, o lema olímpico) no esporte.

Uma estratégia é investir nos campeões nacionais, concentrando todo o nosso esforço naqueles atletas que se apresentam como tendo maiores chances de títulos no futuro. Tende a dar bons resultados, mas eles em geral são concentrados e efêmeros.

O outro caminho é o foco nas pessoas e na economia. Melhorar a educação, a inclusão e a diversidade; estimular a parceria entre os setores público e privado para estimular o investimento, o crescimento e o emprego – construir um país que promova talentos e gere oportunidades para todos é muito mais complexo e trabalhoso do que conseguir mais medalhas nas Olimpíadas.

A grande vantagem é que, além de novos campeões no esporte, teremos também mais e melhores cientistas, engenheiros, médicos – enfim, mais cidadania e dignidade no alto do pódio.