Em discurso que lança campanha eleitoral, Lula dá pistas sobre suas visões sobre a política econômica

Por Bruno Carazza

 

Lula subiu no palanque e, embora não tenha admitido, lançou-se candidato à Presidência da República em 2022. No primeiro discurso após a decisão do ministro Edson Fachin que anulou suas condenações, o líder petista atacou a Operação Lava Jato, criticou e marcou diferenças com Bolsonaro em relação à gestão do país durante a pandemia e sinalizou um possível movimento para o centro – além, é claro, de agradar seu tradicional eleitor de esquerda.

Quanto à economia, havia muitas dúvidas sobre o tom que Lula iria adotar no seu reencontro com o grande público: se uma fala mais radical, lembrando o antigo líder operário que quase chegou à Presidência em 1989, ou se sua versão mais moderada, bem ao estilo “Lulinha Paz e Amor” que, após três derrotas, finalmente o levou ao Palácio do Planalto em 2002.

Ao se analisar a íntegra do seu discurso, porém, foi possível perceber que o Lula 2022 estará entre esses extremos. Se for possível fazer uma comparação com eleições passadas, o novo Lula está muito mais próximo do candidato de 2006 – aquele que ressurgiu das cinzas após o Mensalão e deu início a uma fase de crescimento econômico acelerado.

Trata-se, portanto, de um Lula muito mais influenciado pelas ideias de Guido Mantega do que de Antônio Palocci – ou seja, um político que acredita na ação central do Estado para estimular a demanda e os investimentos.

Essa visão está presente em inúmeros trechos de seu discurso, como pode ser visto abaixo:

  • O custo da Lava Jato e as políticas de campeões nacionais: “Só para você ter uma ideia, por conta da operação Lava Jato o Brasil deixou de ter investimento de R$ 172 bilhões de reais; só por conta da Lava Jato […] o país perdeu 4 milhões de empregos. Eu não estou falando dos 14 milhões de desempregados [atuais], eu estou dizendo só por conta da Lava Jato a destruição que ela fez na corrente geradora de emprego neste país [foi de] 4.400.000 [empregos]. Só de [emprego] direto na construção civil, 1.100.000 [empregos]. Agora você pega a cadeia produtiva de óleo e gás, da indústria naval, da indústria metalúrgica, você vai ver quantos milhões.”
  • Privatização e o papel das estatais: “Vocês nunca ouviram da minha boca falar em privatização. Quem é que acha que só a iniciativa  privada é boa?  Uma empresa pública como o Banco do  Brasil, uma empresa pública como a Petrobras, bem dirigida como foi no nosso governo, ela se transformou na quarta empresa de energia do mundo. A Petrobras investirá 40 bilhões de reais por ano. Nós não descobrimos o pré-sal para exportar petróleo cru; nós descobrimos o pré-sal para exportar derivados, para ter uma indústria  petroquímica poderosa no Brasil. É por isso que nós cunhamos a frase  “o pré-sal é o passaporte do futuro”. É por isso que nós colocamos algo como 50% dos royalties para educação, é por isso que nós pensamos em criar um fundo [soberano] do povo brasileiro. Tudo isso está sendo destruído. Venderam a nossa BR [Distribuidora]. A gente não sabe para quem venderam. Uma empresa que acarrecadou em 2019 R$ 70 bilhões foi vendida por R$ 13 bilhões e 900 [milhões]”.
  • Dívida e investimento público: “Você já viu o Guedes falar uma palavra em crescimento econômico, desenvolvimento e distribuição de renda? Não! É vender! Agora quando ele vender e gastar o dinheiro em custeio, o país vai estar mais pobre. O PIB não vai crescer e a dívida vai  continuar crescendo, porque a única forma de você diminuir a dívida do Brasil não é você parar de gastar com que é  necessário. Porque se você tiver que investir em educação e saúde, se você estiver investindo em transporte e infraestrutura, você tem que colocar dinheiro. O que vai fazer a nossa dívida diminuir em relação ao PIB é o crescimento econômico, é investimento público. Porque qual é a lógica do investimento público, gente? É que se o Estado não confia na sua política e ele não investe, porque que o empresário haveria de investir?”
  • Indústria, demanda impulsionada pelo Estado e auxílio emergencial: “Quando este país tinha como Presidente da República um metalúrgico, em 2008 a indústria automobilística vendia 4 milhões de carros por ano. dentre país. Passados 13 anos, este país vende 2 milhões de carros.  Ou seja, hoje a indústria automobilística é metade do que era em 2008. Porque não há possibilidade de investimento se não houver demanda, e pra ter demanda tem que ter emprego. Por que que vocês acham que o PT está brigando por um salário emergencial de 600 reais. Não é porque a gente acha que o Estado tem que pagar R$ 600 a vida  inteira, é porque o Estado só pode deixar de pagar quando estiver gerando emprego e as pessoas estiverem obtendo renda às custas do seu trabalho. Aí não precisa falar de auxílio emergencial. Mas enquanto o governo não cuida de emprego, não cuida de salário, não cuida de renda, você tem que ter um salário emergencial para que as pessoas não morram de fome.”
    • O ex-presidente Lula discursa na sede do Sindicato dos Metalúrgicos após ter suas condenações anuladas pelo ministro Edson Fachin.
  • Políticas sociais: “Esse povo não está precisando de arma. Esse povo está precisando de emprego, de carteira profissional, está precisando de salário, de livro, está precisando de educação. O Estado precisa estar presente na periferia deste país. O Estado tem que estar lá com educação, com cultura, com saúde, com política de Assistência Social. Este é o papel de um presidente da República.”
  • Inflação e política de combustíveis: “Vocês não sabem a alegria de ver o pequeno produtor deste país […] produzir e saber que tinha garantia de preço, para ver que o produto dele não iria ficar no porão da casa dele ou estragando no sol e na chuva. A gente comprava esse produto e a gente distribuía se fosse necessário. Mas a gente tinha que construir estoque regulador, até para regular preço.  Como é que pode o gás de cozinha estar R$ 105? Como é que pode a cebola aumentar 60%, o tomate aumentar não sei quanto? Como é que pode a luz elétrica aumentar tanto? Como é que pode a gasolina? Ô, David, você é petroleiro e eu vou aproveitar e dizer uma coisa na sua frente: não é possível permitir que o preço do combustível brasileiro tenha que seguir o preço internacional se nós não somos importadores de petróleo. O Brasil é exportador; se nós produzimos a matéria-prima aqui, se nós tiramos do fundo do mar, se nós conseguimos refinar aqui, se nós produzimos gasolina de avião,  nós produzimos diesel… E nós produzimos na qualidade que produz a União Europeia”.
  • Estado como salvaguarda da economia: “Eu preciso conversar com os empresários; eu quero saber aonde é que está loucura de ele de não perceber que se eles quiserem crescer economicamente, se eles quiserem que a bolsa cresça, se eles quiserem que a economia cresça, é preciso garantir que o povo tenha emprego, que o povo tenha renda. Que o povo possa viver com dignidade, senão não há crescimento. Será que é difícil? Ou será que nós vamos ficar reféns do Deus mercado, que só quer ganhar dinheiro, não  importa como? Nós já vimos a experiência da crise de 2008, com subprime  americano e depois com a quebra do Lehman Brothers. Quando ele quebram quem é que coloca dinheiro para salvá-los é o Estado. O Estado que eles repudiam, o Estado que eles destroem. Quando eles  quebram, quem põe dinheiro é o Estado, para salvá-los. Nos Estados Unidos, quando estourou a bolha do sistema habitacional com o subprime, eles ajudaram primeiro os bancos e somente depois é que eles pensaram nos coitados que perderam as casas. Quando é que a gente vai pensar nos de baixo primeiro?”
  • Medo do mercado, autonomia do Banco Central e políticas sociais: “Por que você acha que o mercado tem medo de mim? Esse mercado já conviveu com o PT [durante] 8 anos do governo meu, mais 6 anos morreu e o  mais seis anos do governo da Dilma. O que que o mercado temeu? Você é capaz de me dizr a a lógica do mercado eu ter medo? Ele tem que ter medo do seguinte: eu era contra e sou contra a autonomia  do Banco Central. É melhor o Banco Central estar na mão do governo do que estar na mão do mercado. […] A quem interessa essa autonomia do Banco Central? Não é ao trabalhador urbano, não é ao sindicalista, é ao sistema financeiro. […] Quantas e quantas e quantas reuniões eu fazia com os empresários e perguntava: ‘o que vocês querem? Digam, vamos construir!’. O agronegócio eu acho que nunca conversou com o [atual] governo 10% do que conversavam comigo. Então essa história do medo, essa história da polarização só pode ser história de tucano enrustido em jornal. […] Eu gostaria que quando a pessoa falasse da polarização entre Lula e Bolsonaro, ela explicasse por quê. Qual é a relação entre Lula e Bolsonaro? É o medo da inclusão social, é o medo do pobre estar na Universidade, é o medo do Fies, é o medo do Pronatec, é o medo da escola técnica, é o medo do Prouni, é o meda da cisterna, é o medo da transposição das águas [do São Francisco], é o medo da geração de 20 milhões de empregos com carteira assinada, é o medo de 70% do aumento do salário real, é o medo do Luz para Todos? […] A Febraban deveria me chamar para me dizer qual é o demônio. […] Qual é o demônio? O demônio é a safadeza dos empresários que o Guido Mantega, quando era Ministro da Fazenda, liberou R$ 540 bilhões de desoneração, e que não foram repassados para o povo trabalhador.”

As frases acima não guardam proximidade nem com o radicalismo do PT na década de 1980 e muito menos com as garantias apresentadas ao mercado na famosa “Carta ao Povo Brasileiro” de 2002.

A partir de seu discurso de hoje no Sindicato dos Metalúrgicos, Lula sinaliza que vai usar como armas durante uma eventual campanha eleitoral as políticas públicas e econômicas levadas a cabo pelos petistas principalmente a partir de seu segundo mandato, quando tínhamos Guido Mantega no comando da economia.

Os números alcançados por essa políticas são difíceis de serem contrapostos pelos seus adversários.

O grande problema é que o Brasil de 2022 será muito diferente daquele de 2006. Com as contas públicas quebradas e a economia em frangalhos após a pandemia, será muito difícil reeditar seus anos dourados numa eventual vitória em outubro do ano que vem.

E o que é pior: querer repetir a mesma fórmula num contexto totalmente adverso pode até nos empurrar ainda mais para o buraco.