Em breve superaremos a gripe espanhola
Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 28/12/2020.
14 de março de 2020. Nesse dia eu tive um pressentimento de que nossas vidas nunca mais seriam as mesmas.
É claro que, como a maior parte dos brasileiros, eu vinha acompanhando as notícias sobre o novo coronavírus. A doença havia chegado há algumas semanas por aqui, e o número de casos confirmados pelo Ministério da Saúde vinha subindo dia a dia – mas ainda eram apenas 362, sem nenhuma morte até então.
Àquela altura a covid-19 já avançava com força na Europa, a ponto de a Organização Mundial de Saúde ter declarado no dia 11 de março que se tratava de uma pandemia. Com quatro circuit breakers, a bolsa naquela semana caiu 15,6%, na pior semana desde a crise de 2008, e mesmo assim eu não me abalava.
A ficha caiu quando ouvi uma entrevista de Donald G. McNeil Jr., repórter de ciência do New York Times que já havia feito coberturas sobre epidemias nos quatro cantos do mundo. Ao participar do podcast The Daily, o jornalista revelou que, pelo o que havia apurado junto a diversos cientistas, o novo coronavírus poderia ser tão letal quanto a gripe espanhola de 1918.
“Se nada for feito, todos nós perderemos pelo menos uma pessoa próxima por covid-19”, foi a frase que ficou na minha memória.
Naquele mesmo dia 14 de março em que ouvi o episódio com o jornalista do NYT compareci à festa de aniversário de um grande amigo – e aquela foi a última vez que fui a um bar. Lá, recebi uma mensagem por Whatsapp informando que a faculdade em que trabalho havia suspendido as aulas preventivamente. Daí pra frente minha vida nunca mais foi a mesma.
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Num depoimento dado em 1977, no longínquo ano em que nasci, o artista plástico Abraham Palatnik parecia profetizar o que vivemos em 2020. “O ser humano representa um grande investimento em estudo e aprendizagem ao longo de dezenas de anos. Desprezar esta vantagem seria uma degradação da própria natureza do homem e um desperdício de suas potencialidades.”
O desdém pela ciência, expresso inúmeras vezes pelo presidente da República, cobrou seu preço. “Cenas de terror e tensão, fuga na terra, ira no céu”, cantavam ainda no início da carreira os Titãs, tendo entre eles o punk Ciro Pessoa. “Tomaram tudo o que tínhamos”, clamava o líder Aritana Yawalapati, um dos últimos falantes do idioma tradicional do seu povo, no Alto Xingu.
“Nós estamos órfãos de um projeto nacional. (…) Nós fomos achando que é possível tocar o futuro sem discutir o futuro”, criticou certa vez o ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do BNDES Carlos Lessa.
Como o limpador de vidraças do conto Um discurso sobre o método, de Sérgio Sant’Anna, estamos suspensos no tempo, sem orientações claras sobre novas medidas de distanciamento social ou ações rápidas para a obtenção de vacinas. “Ele era um homem que vivia nas imediações do presente, pois o passado não lhe trazia nenhuma recordação agradável, em especial, e o futuro era melhor não prevê-lo, de tão previsível”.
Muitos sucumbiram diante da indefinição. Alguns de modo resignado, como na canção de Paulinho do Roupa Nova: “E a hora vai chegar; já não sei como evitar. Eu não vou mais fugir, é tempo de encarar”.
“Daqui dou o viver já por vivido”, sentenciou a poetisa Olga Savary na sua Sextilha Camoniana.
“Pela fresta, é possível ver o céu azul. Acho que atravessei esta porta”. Algodão-doce para você, inesquecível Daniel Azulay.
“Passei o bastão pra vocês, agora sigam e sejam felizes”, disse a atriz Nicette Bruno a seus filhos, mas o conselho serve a cada um de nós.
“Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente”, nos ensinou Aldir Blanc num hino de outros tempos, mais atual do que nunca. “A esperança dança na corda bamba de sombrinha, e em cada passo dessa linha pode se machucar”.
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Enquanto escrevo esta coluna, o Brasil registra 190.795 mortes oficiais por covid-19. De acordo com a última pesquisa Datafolha, 8 em cada 10 brasileiros pegou ou conhece alguém próximo que foi contaminado pelo novo coronavírus.
Estudiosos estimam que as duas grandes ondas de gripe espanhola que atingiram o Brasil entre 1918 e 1919 mataram em torno de 35.000 pessoas. Segundo o IBGE, nesta mesma época o Brasil possuía em torno de 30 milhões de habitantes. Grosso modo, pouco mais de 0,1% dos brasileiros sucumbiram à doença.
Um século depois, o país possui pouco mais de 210 milhões. A continuar o ritmo atual de evolução, em breve a covid-19 terá matado o mesmo tanto que a gripe espanhola, em termos proporcionais.
O descaso com a saúde pública no atual governo jogou por terra todo o avanço de higiene, tecnologia e políticas públicas de um século.
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As retrospectivas do ano de 2020, a serem veiculadas nos próximos dias, vão precisar de tempo e espaço extra para retratar tantas perdas inestimáveis – inclusive as dez personalidades que eu mencionei expressamente acima.
No meu caso, a profecia do repórter do New York Times se cumpriu na noite do dia 25 de outubro. Sebastião Fernandes Pereira era um grande amigo da minha família, com o qual convivi desde os meus 10 anos de idade.
De riso fácil e conversa atenciosa, deixou órfãos milhares de pessoas que recorriam a ele para buscar conforto e conselho para suas dores da alma.
Tiãozinho virou estatística da covid, mas a falta que ele deixou não tem medida. Por meio dele homenageio as vítimas da doença que marcou este ano, seus familiares e amigos.
Até 2021.
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Os artistas que me desculpem, mas a Lei do Audiovisual não deve ser prorrogada
13 de outubro de 2017
Os cartórios e o preço da fé pública no Brasil
6 de outubro de 2017
A um ano das eleições, um programa de governo fadado ao fracasso
28 de setembro de 2017
Vai fundo!
22 de setembro de 2017
O Brasil Velho que legisla em causa própria
15 de setembro de 2017
Não são as pessoas, são as instituições
7 de setembro de 2017
Flechada no próprio pé: uma pequena análise econômica das delações premiadas
24 de agosto de 2017
Reforma política: tudo é uma questão de oferta e demanda
7 de agosto de 2017
A favor e contra Dilma e Temer
2 de agosto de 2017
Carlos Drummond, Temer e as MPs do Código de Minas
21 de julho de 2017
Compra-se tudo, tudo se vende
14 de julho de 2017
Desoneração de alguns e oneração de milhões
6 de julho de 2017
O “grande acordo nacional” passa pela reforma política
29 de junho de 2017
Distritão e dinheirama: a “reforma política” dos políticos da Lava Jato
13 de junho de 2017
Porque vocês não sabem do lixo ocidental
21 de maio de 2017
Delações premiadas: Punições leves são péssima sinalização para o futuro
20 de abril de 2017
Saiu barato: Incentivos errados na delação premiada da Odebrecht
10 de março de 2017
O Dia Internacional das Mulheres e a Política Brasileira
2 de março de 2017
O Uber e a Crise: O que todo mundo ouve todos os dias em dois gráficos
19 de fevereiro de 2017
Mais de 1.000% depois do Plano Real: Reflexões sobre a Tarifa de Ônibus de Belo Horizonte
9 de fevereiro de 2017
Ricos, famosos e poderosos: uma análise sobre Trumps, Dorias e (quem sabe?) Justus
14 de dezembro de 2016
Delação da Odebrecht: a “metralhadora ponto cem” para a minha tese
11 de novembro de 2016
“Losing my religion”: por que os candidatos religiosos estão escondendo sua origem?
19 de outubro de 2016
Boletim Leis & Números – 19/10/2016
1 de outubro de 2016
É relevante, é urgente, mas… Reflexões sobre a MP do Ensino Médio
29 de setembro de 2016
Victor Nunes Leal: De Alvorada de Carangola às Eleições de 2016
15 de setembro de 2016
Cresça e Apareça: quem sobreviveria à cláusula de desempenho nas eleições de 2014?
2 de setembro de 2016
A Agenda Inicial de Temer – Boletim Leis & Números 02/09/2016
17 de agosto de 2016
Eleições 2016: Mais do mesmo, frustração ou problemas com os dados?
9 de julho de 2016
É hora de agradecer
21 de junho de 2016
Tema do Dia: Desonerações Tributárias e Avaliação de Políticas Públicas
30 de abril de 2015
Ambição e Gratidão nas Doações de Campanha no Brasil – Parte 1
16 de abril de 2015
“E Outras Mumunhas Mais” – Superdoadores nas Eleições Brasileiras
10 de abril de 2015
Quanto vale o seu voto? Doações de campanha, vencedores e vencidos
21 de março de 2015
Quem Controla Quem na Elaboração das Leis Brasileiras?
13 de março de 2015
House of Cards e a Autoria das Leis no Brasil
13 de março de 2015
Rumo à Tese de Doutorado
25 de março de 2014
Boletim Leis e Números – 17/03/2014 a 24/03/2014
16 de março de 2014
Boletim Leis e Números – 09/03/2014 a 15/03/2014
6 de março de 2014
Clipping – Medidas Provisórias, BNDES e Transparência
27 de novembro de 2013
Boletim Leis e Números nº 02 – Legislação e Jurisprudência – 13 a 26/11/2013
14 de novembro de 2013
Boletim Leis e Números nº 01 – Legislação e Jurisprudência
1 de agosto de 2013
Cargos em Comissão – Um Velho (e Crescente) Vício do Estado Brasileiro
20 de maio de 2011
Pedido de Falências e Ação de Cobrança
26 de abril de 2011
Direito de Exclusividade de Distribuição X Livre Concorrência
11 de março de 2011
Poder Executivo Legislador (Continuação)
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5 de fevereiro de 2010
Medidas Provisórias: abuso ou complacência? (Continuação)
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17 de setembro de 2009
Monopólio dos Correios – 2ª parte
1 de setembro de 2009
Leasing cambial – Terceiro capítulo
31 de agosto de 2009
Leasing Cambial – Segundo capítulo
27 de agosto de 2009
Leasing Cambial – Segurança Jurídica e Crédito
13 de agosto de 2009
Decreto nº 6.932 – Simplificando o Atendimento ao Público no Governo Federal
11 de agosto de 2009
ADPF 46 – O monopólio dos Correios – Primeiro Capítulo
7 de agosto de 2009