Partido de Bolsonaro nadará em dinheiro até 2022

Por Bruno Carazza

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 27/05/2019.

 

A surpreendente trajetória de Bolsonaro rumo ao Palácio do Planalto será motivo de estudo por muito tempo. Vários são os aspectos a serem analisados, como sua capacidade de capitalizar a desilusão do eleitorado com a política tradicional, o uso das redes sociais para contornar o limitadíssimo espaço no horário eleitoral e o efeito-reboque que levou ao Congresso 52 deputados e 4 senadores do até então nanico PSL, quase todos novatos.

É possível sintetizar todos esses feitos de Bolsonaro numa única medida: seu mérito em superar os imensos obstáculos impostos pelo financiamento eleitoral a quem desafia o poder estabelecido. Até 2015 poucos grupos econômicos chegaram a financiar mais de 60% dos gastos de todos os candidatos, desequilibrando o jogo em favor de quem tinha mais conexões com a elite empresarial. Após o Supremo Tribunal Federal proibir as doações de empresas, o Congresso criou um fundo orçamentário bilionário com regras que privilegiavam os maiores partidos.

Só em 2018, PT, MDB e PSDB tiveram, respectivamente, R$ 330 milhões, R$ 325 milhões e R$ 285 milhões de recursos públicos para custear as despesas de seus candidatos. Graças à legislação eleitoral, os três principais partidos da Nova República abocanharam 36% do total de R$ 2,6 bilhões dos fundos partidário e de financiamento de campanhas. Com seu partido tendo acesso a apenas R$ 17,5 milhões (0,67% desse montante), ainda assim Bolsonaro obteve 57 milhões de votos.

Daqui pra frente, porém, o jogo muda. Bolsonaro não apenas venceu a eleição, como catapultou o PSL a um patamar que o fará nadar em dinheiro nos próximos anos. Mantidos os valores atuais dos fundos, o governo injetará R$ 6,7 bilhões nos partidos até 2022 – esse é o custo da democracia no Brasil. E dado seu desempenho nas urnas em 2018, o partido do presidente ficará com a maior fatia do bolo. Serão quase R$ 740 milhões – R$ 40 milhões a mais que o PT e incríveis R$ 300 milhões acima de MDB, PSD, PSDB e PP.

Há alguns dias o Centro de Política e Economia do Setor Público – Cepesp da FGV publicou o estudo “Os custos da campanha eleitoral no Brasil: uma análise baseada em evidência”. Financiado pela Fundação Brava, a pesquisa demonstra que a migração de um sistema bancado majoritariamente por empresas para o modelo atual, eminentemente público, tornou as eleições brasileiras mais competitivas, pois reduziu a distância dos gastos entre candidaturas de homens e mulheres, brancos e negros e também entre candidatos que buscavam a reeleição e os novatos.

Essa mudança no padrão de financiamento pode estar por trás do maior grau de renovação no Congresso brasileiro. Desconsiderando aqueles que já exerceram algum cargo eletivo no passado, o número de novatos eleitos para a Câmara atingiu em 2018 o pico de 22%. No entanto, o estudo do Cepesp concluiu que mesmo com o financiamento público o dinheiro continua a ter grande influência no resultado eleitoral: aqueles que gastaram mais tiveram maiores chances de ser eleitos.

A competitividade nas eleições brasileiras poderia ser muito mais acirrada se essa montanha de dinheiro público não ficasse disponível para os caciques partidários distribuírem como bem entenderem. Em 2018 foram inúmeros os casos em que políticos tradicionais – como Rodrigo Maia (DEM), Aécio Neves (PSDB) e até mesmo Luciano Bivar (PSL) – receberam a maior parte dos recursos disponibilizados pelos diretórios dos partidos.

O ex-ministro Gustavo Bebianno (PSL), ao lado do ministro Onyx Lorenzoni e do presidente Jair Bolsonaro, na ceerimônia de posse em 02/01/2019. Foto: Marcos Corrêa/PR.

Uma pauta importante que deveria merecer o apoio das novas lideranças e dos movimentos da sociedade civil que apoiam a renovação política no Brasil (como RAPS, RenovaBR, Acredito, Livres, MBL, etc.) seria a aprovação de normas para exigir transparência e governança dos partidos na aplicação dos bilionários fundos públicos que financiam o funcionamento da nossa democracia.

Não sabemos se Bolsonaro foi um ponto fora da curva ou se é o pioneiro de um novo modo de fazer campanhas no Brasil. Mas a verdade é que ele e seus filhos têm agora em mãos um imenso volume de recursos – como os velhos caciques do PT, PSDB e MDB sempre tiveram. E nós precisamos acompanhar de perto o que os políticos fazem com tanto dinheiro em seu poder.