Políticos tradicionais não conseguem se conectar com o eleitor

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 02/05/2022.

 

Eu tenho um grande amigo que diz que a única dúvida dele sobre as eleições deste ano é se Janones ficará em terceiro ou quarto lugar na disputa pela Presidência. A frase, que poderia soar como ironia, expõe uma dura realidade sobre a política brasileira.

No último Datafolha, o deputado André Janones (Avante-MG) apareceu entre os cinco primeiros candidatos na pesquisa espontânea – bem atrás de Lula e Bolsonaro, mas empatado dentro da margem de erro com Sergio Moro e Ciro Gomes –, o que é um feito notável para um político novato, vinculado a um partido nanico e que há apenas três anos chegou a Brasília para o seu primeiro mandato eletivo.

Na maioria das pesquisas recentes, Janones pontua à frente de políticos muito mais experientes e conhecidos, como os ex-governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), a senadora Simone Tebet (MDB-MS) e o deputado federal Luciano Bivar (União Brasil-PE).

Esse desempenho do pouco conhecido deputado mineiro se torna ainda mais relevante diante da repercussão das articulações para a escolha de um candidato que represente uma “terceira via” nos últimos meses.

O deputado e pré-candidato à Presidência, André Janones (Avante-MG), discursa na Câmara em agosto de 2021. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

As prévias dos tucanos, a ascensão e queda da candidatura Moro e as intensas negociações entre União Brasil, MDB, PSDB e Cidadania para a definição de uma chapa única provocaram muito barulho e quase nenhum calor.

Como pode ser visto na tabela, os presidenciáveis atuais tiveram uma exposição no noticiário condizente com os cargos que ocupam, sua trajetória política e o peso de seus partidos.

O que não fecha é o fato de André Janones pontuar em patamar igual ou superior a vários desses nomes diante de tão baixa cobertura midiática. Mesmo neste caderno de Política do Valor, que costuma ser um espaço mais equilibrado entre os candidatos (de Tebet a Lula, os presidenciáveis atuais atingiram de 5% a 13% das menções totais, com a exceção de Bolsonaro, que por ser presidente, aparece com 31,4%), Janones foi citado em apenas 9 matérias no último ano.

Essa ascensão do deputado novato, porém, diz muito sobre a incapacidade dos políticos e partidos tradicionais em captar os anseios dos eleitores e se comunicar com eles.

A breve vida política de Janones pode ser contada por meio dos picos de buscas pelo seu nome medidos pelo Google Trends. O interesse surge pela primeira vez em maio de 2018, quando o advogado, que nunca havia sentado ao volante de um caminhão, começou a utilizar as redes sociais em defesa da greve dos caminhoneiros. Alçado à condição de porta-voz do movimento, ele soube utilizar a fama repentina para se eleger com 178.660 votos.

Logo no início do mandato, Janones ganhou repercussão ao chamar o então presidente da Vale, Fábio Schvartsman, de “assassino” pelo rompimento da barragem em Brumadinho numa audiência. Os outros pontos altos em 2019 aconteceram quando classificou deputados e senadores de “canalhas” e “vagabundos” durante a votação do projeto contra o abuso de autoridade, o que lhe custou um processo no Conselho de Ética por quebra de decoro.

A grande virada na popularidade de Janones, porém, veio com a pandemia. O deputado soube construir um canal direto com a população, produzindo vídeos sobre a votação do auxílio-emergencial, a defesa da necessidade de sua ampliação e renovação e também explicando às pessoas como utilizar o aplicativo da Caixa para requisitar o benefício. Numa live de setembro de 2020 em que defendia o pagamento dos R$ 600, Janones bateu o recorde mundial de visualizações simultâneas do Facebook.

Em abril deste ano, quando começou a aparecer nas pesquisas, o interesse pelo deputado cresceu ainda mais quando um trecho de uma entrevista concedida ao jornalista Roberto D’Ávila viralizou. Ao ser indagado sobre o nome do presidente da Argentina, Janones titubeou e respondeu “Macron”. Ridicularizado nas redes, Janones se defendeu dizendo que poderia não conhecer os líderes mundiais, mas que seria o único presidenciável a saber de cor o preço dos produtos da cesta básica.

Assumindo essa função de “fiscal do povo”, apresentando projetos relacionados a benefícios sociais e mantendo firme o discurso contra a corrupção, Janones criou uma conexão com o eleitorado por meio das redes sociais. O deputado tem hoje 8 milhões de seguidores no Facebook e 2 milhões no Instagram, números equivalentes ao de Lula (9,8 milhões, somadas as duas plataformas). De acordo com o Monitor da agência Núcleo, suas postagens, não raro, superam o alcance das publicações de Bolsonaro, líder disparado em engajamento digital entre os políticos brasileiros.

Enquanto os candidatos que se apresentam como “terceira via” se perdem em articulações políticas tramadas a portas fechadas, André Janones faz uma ligação direta com o eleitorado pelas redes sociais falando o que o povo quer ouvir. Pode-se (e deve-se) criticar o conteúdo simplista de suas ideias, mas é inegável que ele consegue captar muito melhor demandas e crenças da população que não estão contemplados nos discursos dos candidatos tradicionais, genéricos e vazios para a maioria das pessoas.

A classe política brasileira não aprendeu nada com Enéas, Bolsonaro e Janones.