Texto e gráficos de Bruno Carazza dos Santos

Números do Detran/MG comprovam: o crescimento da Uber é um triste retrato de uma das mais graves crises econômicas já enfrentadas pelo Brasil

The number of licenses to drive professionally in Belo Horizonte (one of the largest Brazilian cities) is growing as Uber and its competitors like Cabify intensify their activities in the country. However, this result is directly related to the serious Brazilian economic crisis.

Qualquer pessoa que puxe conversa com um motorista da Uber ouve histórias comoventes sobre suas trajetórias pessoais que envolvem, invariavelmente, desemprego, falências ou falta de oportunidades. São micro e pequenos empresários que não suportaram a crise, engenheiros e gerentes de grandes empresas que foram demitidos, recém-formados que não encontram vagas de trabalho: retratos muito tristes da gravidade da crise econômica que enfrentamos.

Ser motorista de Uber, longe de ser uma oportunidade de oferecer uma “carona remunerada” ou de ocupar horas ociosas do seu dia – como a empresa alardeia na sua propaganda – virou estratégia de sobrevivência para dezenas de milhares de cidadãos país afora.

Para se tornar um motorista da Uber, não é preciso muito mais do que possuir um carro (que na categoria UberX pode ser um modelo bem simples e com alguns anos de fabricação) e ter habilitação para dirigir – a famosa carteira B. Nesse caso, exige-se ainda que a Carteira Nacional de Habilitação contenha a observação “exerce atividade remunerada” – que pode ser obtida mediante a realização de um novo exame psicotécnico, um pouco mais elaborado, a ser agendado no Detran mais próximo.

Para quem perdeu o emprego ou teve que fechar o seu negócio e não vê perspectiva de recolocação profissional no curto prazo, a Uber (e seus concorrentes, como a Cabify) surgiu como uma boia de salvação por não exigir qualificação, altos investimentos e nem estar sujeito às formalidades da legislação trabalhista.

Por falar nisso, meu propósito neste texto não é discutir se o modelo desenvolvido pela Uber fere ou não as garantias trabalhistas ou representa uma precarização das relações de emprego no Brasil – deixo para os amigos especializados em Direito do Trabalho e em Direito Empresarial discutir esse aspecto super-relevante da matéria, colocando inclusive à disposição o espaço dos comentários abaixo. Meu objetivo aqui é tão somente demonstrar aquilo que suspeitava ao ouvir histórias muito parecidas nos meus deslocamentos utilizando o aplicativo: que o crescimento da Uber e suas concorrentes no Brasil é um dos sintomas mais evidentes da gravidade da crise econômica brasileira.

Para tanto, tive uma ideia simples: solicitei ao Detran/MG, via Lei de Acesso à Informação, o número mensal de motoristas que realizaram exames psicotécnicos com o objetivo de dirigir veículos como “atividade remunerada” nos últimos anos. Os dados fornecidos pelo órgão de trânsito estão disponíveis apenas a partir de jan/2013, mas já dão uma boa dimensão dessa realidade:

Carteira com Atividade RemuneradaFonte: Detran/MG, dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação.

Como pode ser visto no gráfico acima, o número de pedidos de exames psicotécnico para exercer atividade remunerada não se altera muito com a chegada da Uber em Belo Horizonte , em setembro/2014. Neste período, a base de motoristas ainda era pequena, e a empresa operava apenas com a categoria Black: que exige carros de alto padrão, mais confortáveis e com poucos anos de uso – mais caros, portanto.

O número de pedidos de exames para obter a carteira que credencia ser motorista da Uber só começa a crescer a partir de junho e julho/2015, quando a Uber lança o UberX – uma categoria com tarifas mais baratas, e que para isso exige veículos mais simples e antigos. Ao adaptar seu modelo de negócios para aumentar a base de motoristas e aumentar a clientela, a Uber abaixa seu grau de exigência e, assim, aumenta a demanda por exames psicotécnicos no Detran/MG, como pode ser visto no crescimento exponencial dos pedidos a partir de então.

Os dados apresentados pelo Detran/MG como resposta ao meu pedido de acesso a informações têm uma queda abrupta entre março e julho/2016. Eu até imaginei que fosse algum erro de tabulação, e cheguei a questionar esse fato com a área de estatísticas do órgão. Porém, eles confirmaram que os dados estão corretos. Mesmo desconfiando dessa queda, vou dar um crédito ao Detran e admitir que os dados estão corretos, até porque a evolução nos meses seguintes retoma o fio da meada da história que eu quero contar.

A despeito dessa quebra estranha na trajetória de crescimento no primeiro semestre de 2016, os exames para exercer atividade remunerada de motorista recuperam-se com um ritmo ainda mais elevado a partir de agosto/2016, fato que pode ser explicado tanto pela expansão das atividades da Uber para os municípios vizinhos de Betim e Contagem, quanto pela entrada em BH da Cabify, até aqui a concorrente mais forte da Uber em terras mineiras.

Por trás do sucesso da Uber (e da Cabify) de atrair motoristas para seu modelo de negócios, na verdade está o alarmante desemprego no país. Conforme pode ser visto no gráfico abaixo, paralelamente ao crescimento dos exames psicotécnicos para trabalhar como motoristas (nestas empresas ou em outras, inclusive as atividades de motoboy), apresenta-se uma taxa de desocupação e subocupação da população economicamente ativa na Região Metropolitana de BH que cresce vertiginosamente nos últimos anos e passa de 14% no final de 2016, segundo o IBGE. A sincronia entre o gráfico abaixo e o anterior é muito significativa.

Taxa de desocupação

Fonte: IBGE.

O que não podemos perder de vista, ao analisar esses dados, é que eles dizem respeito a pessoas com histórias de vida que revelam o fracasso do país de gerar oportunidades de trabalho condizentes com seu grau de instrução e especialização. A partir do momento em que engenheiros deixam de projetar prédios e máquinas, microempresários deixam de empregar trabalhadores e estudantes recém-formados não encontram emprego e vão ser motoristas de Uber, temos não apenas uma grave queda do padrão de vida para eles e suas famílias: temos uma grande perda da capacidade produtiva do país. Poderia ser pior se não houvesse Uber e suas concorrentes? Possivelmente sim, mas não deixa de ser um retrato desolador do buraco em que nos metemos e do quanto será difícil sair dele.

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