A célebre Democracia Ateniense é até hoje inspiração para regimes políticos ao redor do mundo. Criada em 507-508 A.C. por Clístenes, teve, porém, breve existência: na famosa batalha de Queroneia (338 a.C), o rei Filipe II, da Macedônia, derrotou a coalizão de Atenas e Tebas e pôs fim à experiência de liberdade e participação cidadã dos gregos. [Ah, o que seria do mundo se não fosse a Wikipedia?]

Outro parêntese: Filipe II era pai de Alexandre, o Grande, “o mais célebre conquistador do mundo antigo”, que dos 20 aos 33 anos criou um império que ia “do Punjab a Gibraltar”, segundo a ótima e quase desconhecida música do Caetano Veloso (aqui na versão de Adriana “Partimpim” Calcanhoto).

Apesar de seu grande legado para a humanidade, a famosa democracia ateniense não era plena: mulheres, escravos e estrangeiros estavam de fora, e os homens tinham que ser alfabetizados e possuir propriedades.

Embora a Constituição Federal estabeleça critérios bem frouxos de elegibilidade (veja), na prática a possibilidade de ser eleito para um cargo público encontra uma séria restrição: a necessidade de arrecadar recursos para fazer frente aos altos custos das campanhas eleitorais.

Na postagem anterior (aqui) demonstrei, com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral, que os volumes de recursos utilizados nas campanhas eleitorais para Presidente, Governadores, Senadores, Deputados Federais e Deputados Estaduais/Distritais vêm crescendo exponencialmente desde 2002.

Depois de trabalhar os dados desagregados por candidatos referentes a votação e doações recebidas (um trabalho do cão, pois os dados de votação para cada candidato estão pulverizados em zonas eleitorais e seções, em centenas de arquivos .txt, e os dados de doações estão desagregados por ato de doação!), foi possível verificar como a arrecadação é um fator determinante para um cidadão ser eleito no Brasil.

A tabela abaixo apresenta a arrecadação média de candidatos vencedores e derrotados nas quatro últimas eleições no Brasil por cargo disputado.

Doações

Além disso, no Brasil é preciso “investir” cada vez mais recursos nas campanhas eleitorais, afinal de contas o “preço” do voto pago pelos candidatos eleitos nos últimos anos é alto e vem crescendo (os dados da tabela a seguir já estão corrigidos pela inflação):

Gráfico doações por voto

É preciso destacar que os números acima não esclarecem o dilema de Tostines nas eleições brasileiras: candidatos vencem as eleições porque arrecadam mais ou recebem mais doações porque têm mais chances de ganhar as eleições? Em ambos os casos, porém, esses resultados têm implicações importantes para a democracia brasileira.

A tese central do livro Why Nations Fail (“Por que as Nações Fracassam – As origens do poder, da prosperidade e da pobreza” no Brasil: http://whynationsfail.com/), um dos melhores que eu li nos últimos tempos, trata exatamente disso. Nele, os autores Daron Acemoglu, professor de economia do MIT, e James A. Robinson, cientista político e economista que leciona em Harvard, argumentam que a relação entre os sistemas político e econômico são determinantes para o desenvolvimento dos países.

Discutindo uma série de casos que vão da revolução agrícola no Período Neolítico à Primavera Árabe, passando pela Revolução Industrial e o colonialismo britânico na África, os autores demonstram como os sistemas políticos e econômicos se retroalimentam. Assim, sistemas políticos inclusivos e pluralistas tendem a criar regras que estimulam a competição e a inovação – ou seja, instituições econômicas também inclusivas que garantem às pessoas e empresas fazer o melhor uso de suas habilidades e talentos.

Com lógica inversa, sistemas políticos extrativistas geram normas que privilegiam grupos econômicos e a concentração de renda, pois seu apoio é essencial para manter os representantes dessa elite encastelados no poder.

A questão da regulação das contribuições de campanha no Brasil parece seguir o modelo extrativista: ao aumentar as chances de que candidatos mais capazes de arrecadar recursos (principalmente junto a empresas privadas) vençam as eleições, imagina-se que a legislação e as políticas públicas implementadas por esses mesmos governantes favoreçam os grupos que os financiaram. Um sistema retroalimentador entre o político e o econômico, exatamente como proposto por Acemoglu & Robinson.

O meu desafio nas próximas semanas é, com base em dados eleitorais, legislativos e outros documentos governamentais, encontrar evidências de que isso realmente acontece no Brasil.

 

Nota: A análise acima é uma reflexão ainda preliminar sobre achados da pesquisa de tese (veja as explicações aqui). Como dito acima, comentários, críticas e sugestões contribuirão para o resultado final da minha tese.

 


COMPARTILHE EM SUAS REDES



MAIS ANÁLISES


© 2019 Bruno Carazza. todos os direitos reservados.
Newsletter