Novo decreto determina a análise prévia do impacto de normas federais

Por Bruno Carazza

 

Para quem acredita que não existe coisa boa sendo produzida pelo governo ultimamente, merece aplausos a edição do Decreto nº 10.411, que regulamenta a Análise de Impacto Regulatório na elaboração de atos normativos do governo federal.

A Análise de Impacto Regulatório é uma prática comum nos países desenvolvidos, sendo amplamente aplicada pelos membros da OCDE, grupo no qual o Brasil há anos almeja ser aceito. Seu objetivo é avaliar os efeitos de uma norma antes da sua adoção – evitando-se, assim, os imensos danos que podem ser provocados por decisões baseadas em achismo ou, o que é pior, influência indevida de lobista ou corruptores.

No Brasil, a Lei de Liberdade Econômica estabeleceu que a alteração ou edição de atos normativos federais deve vir precedida de avaliação com informações e dados sobre seus possíveis efeitos econômicos. Além disso, desde a Lei nº 13.848/2019, a Avaliação de Impacto Regulatório (AIR) também deve ser aplicada pelas agências reguladoras como requisito para a alteração de suas normas.

O novo decreto aplica-se a todos os órgãos da Administração direta e mais autarquias e fundações, quando da proposição de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados. Porém, a quantidade imensa de exceções e formas de afastar a aplicação da Análise de Impacto Regulatório tornam elevado o risco de ela se tornar mais um procedimento para “inglês (ou membro da OCDE) ver”.

Primeiro porém: a AIR não será exigida nas propostas de edição de decretos ou atos normativos a serem submetidos ao Congresso. Como essas são as normas com maior potencial de impacto sobre a vida de pessoas e empresas, o decreto já nasce esvaziado

Outro problema é que, no âmbito da Receita Federal, a AIR só será exigida nos atos normativos que instituam ou modifiquem obrigação acessória, o que também limita bastante o seu impacto sobre a análise de normas que afetem a carga tributária.

Também constituem exceções os atos de natureza administrativa, normas sobre execução orçamentária e financeira, política cambial e monetária e segurança nacional. Diante de tantas isenções, dá para ver que o Decreto institui a AIR de modo bastante esvaziado, infelizmente.

Mas tem outras possibilidades de os órgãos escaparem da exigência de aplicar a AIR em seus processos de concepção de normas. Os dirigentes de entidades públicas ainda podem não aplicar a Análise de Impacto Regulatório alegando urgência ou baixo impacto da norma (caso não provoque aumento expressivo de custos para os agentes, despesas orçamentárias ou afete políticas de saúde, segurança, ambientais, econômicas e sociais).

Na esfera econômica, seus dirigentes podem afastar o uso da AIR alegando a necessidade de preservar a liquidez, solvência ou higidez dos mercados de seguro, previdência complementar, financeiro, de capitais, sistemas de pagamento, etc.

Por fim, a Análise de Impacto Regulatório também pode não ser aplicada em atualizações de normas para atender ao desenvolvimento tecnológico ou se elas diminuem os custos regulatórios.

Por mais que o decreto exija que a decisão de não utilizar a Análise de Impacto Regulatório deve ser embasada por nota técnica justificando a decisão, são muitas as possibilidades, e justamente em áreas em que a adoção da AIR se faria mais necessária.

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes em reunião do Fórum Econômico Mundial, em 22/01/2019. Foto: Alan Santos/PR
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes em reunião do Fórum Econômico Mundial, em 22/01/2019. Foto: Alan Santos/PR

Mas afinal: afora tantas exceções e possibilidades de dispensa da obrigatoriedade do uso da Análise de Impacto Regulatório, como ela vai funcionar na prática?]

O roteiro previsto no Decreto, em linhas gerais, é o seguinte:

1) Avaliação do órgão quanto à obrigatoriedade, conveniência ou oportunidade da proposta;

2) Identificação do problema que se pretende solucionar, com suas causas e extensão;

3) Identificação de agentes econômicos, usuários de serviços e demais afetados por esse problema;

4) Fundamentação legal para a atuação do órgão;

5) Definição dos objetivos a serem alcançados;

6) Descrição das alternativas de ação disponíveis, inclusive a não ação e o uso de soluções não normativas;

7) Exposição dos impactos e custos de cada uma das alternativas;

8) Avaliação de sugestões recebidas em processos de consulta e participação social;

9) Mapeamento da experiência internacional sobre o assunto;

10) Identificação dos efeitos e riscos decorrentes da alteração regulatória;

11) Apresentação da metodologia e do processo que levou à opção adotada, em detrimento das demais;

12) Descrição da estratégia de implementação da alternativa escolhida, incluindo forma de monitoramento e avaliação.

O decreto também indica diversas metodologias que podem ser adotadas na Análise de Impacto Regulatório, como avaliações multicritério, custo-benefício, custo-efetividade, custo, risco ou risco-risco. A escolha feita pelo órgão deverá ser justificada.

No caso de se permitir a participação social, ela deve ser realizada antes da decisão sobre a melhor alternativa e da elaboração da minuta do ato normativo. A minuta do ato normativo também pode ser submetida a consulta pública ou aos segmentos afetados.

Uma vez realizada a Análise de Impacto Relatório, o relatório será submetido à autoridade competente do órgão para subsidiar a sua decisão. De posse do relatório, a autoridade pode adotar a proposta sugerida, solicitar sua complementação ou adotar outra solução.

No caso de decidir de modo contrário ao sugerido no relatório da AIR, a autoridade competente deve fundamentar a sua decisão, explicando porque adotou solução diversa à análise técnica.

Os relatórios de Análises de Impacto Regulatório deverão ser publicados no site do órgão ou entidade, além de serem acompanhados de sumário executivo com linguagem fácil e acessível. Também deverão ser divulgadas no site as manifestações recebidas em consultas públicas.

Os atos normativos que forem dispensados de desenvolver a AIR alegando-se urgência deverão ser objeto de Avaliação de Resultados no prazo de 3 anos. A medida é válida, mas em determinados casos, 3 anos pode ser tarde demais para evitar seu estrago econômico ou social.

Aliás, o decreto também determina que os órgãos e entidades devem construir uma agenda de Avaliação de Resultados Regulatórios a ser conduzida ao longo de todo o mandato presidencial, de preferência dando prioridade para os que têm ampla repercussão a economia.

No atual mandato, a agenda a ser concluída até o fim do mandato deve ser divulgada por cada órgão até 14/10/2022. (Imagino que tenha havido um erro de digitação neste ponto do decreto, e que o prazo correto deveria ser 14/10/2021, pois não faria sentido divulgar uma agenda que tem o prazo de 75 dias para ser implementada…).

E já que falamos em prazos, a adoção da Análise de Impacto Regulatório deverá ser adotada pelo Ministério da Economia, pelas agências reguladoras e pelo Inmetro a partir de 15/04/2021. Para os demais órgãos, autarquias e fundações, a data-limite é 14/10/2021.

Antes de terminar, é bom lembrar que essa agenda de avaliação de impacto já vinha sendo conduzida pela Casa Civil do governo Temer, tendo sido inclusive publicado um guia orientativo para os demais órgãos.

Como disse, trata-se de uma medida importante e necessária sendo adotada pelo governo, mas a quantidade de exceções e de possibilidades de não adoção da Análise de Impacto Regulatório esvazia o seu potencial transformador sobre a Administração Pública brasileira.